Não sou uma pessoa com grandes ilusões na vida, nem grandes ambições e desejos. Acho que a única ilusão que verdadeiramente mexe comigo é a do amor romântico. E é uma coisa que tenho tentado trabalhar mais comigo mesmo, para ser menos iludido. Em particular, existe uma fantasia que povoa meus pensamentos.
Há uma cena no filme Trapaça, acerca de Duke Ellington, um artista de jazz famoso, na qual os protagonistas Irving e Sydney se conhecem.
No meio de uma festa, Irving e Sydney se avistam. Ela estica o braço para alcançar um petisco. Ele segura seu braço e pergunta:
- É o Duke Ellington no seu bracelete?
Sydney:
- De fato, é sim. Ele morreu neste ano, você sabe...
Irving:
- Eu sei, duvido que alguma outra pessoa aqui saiba ou se importe com isso.
Sydney:
- Bem, eu me importo. Ele salvou minha vida muitas vezes.
Irving:
- A minha também. Qual delas?
Sydney:
- Jeep's Blues.
Irving:
- Você quer escutar?
Sydney:
- Agora?
Irving:
- Sim.
Sydney:
- Claro.
Então, eles seguem para uma sala mais reservada para escutar Jeep's Blues.
Irving:
- Quem começa uma música dessa maneira?
Sydney:
- É mágica.
Irving concorda:
- É mágica.
Sydney analisa Irving:
"Ele não estava necessariamente em forma, e ele tinha esse penteado que era todo elaborado. Ele tinha essa aura em torno dele. E ele tinha essa autoconfiança que me atraiu. Ele sabia quem era. Ele não se importava."
Irving:
"Como eu, ela era uma pessoa bastante peculiar. Como eu, ela veio de um lugar em que suas opções eram limitadas."
Sydney:
"Na verdade, pode ser meio sexy algumas vezes. Há uma ousadia nisso tudo. Mas aonde essa ousadia me levaria? Eu não sabia, mas eu iria descobrir."
Na continuação da cena, Irving prossegue:
"Ela era diferente de todo mundo que já conheci. Ela era inteligente. Ela via através das pessoas nas situações. E ela sabia viver com paixão e estilo. Ela entendia Duke Ellington."
De alguma maneira, eu ainda espero encontrar a pessoa que entenda Duke Ellington na minha vida. Acho que entender Duke Ellington é uma metáfora excepcional. Pode ser muito mais amplo do que é descrito no filme, mas, ainda assim, a forma como é feito é de uma sensibilidade gigante. O filme mostra, de maneira poética, que podemos nos apaixonar por pessoas reais. Pessoas com defeitos e imperfeitas. Podemos enxergar a pessoa de quem gostamos sob a lente do romantismo. A cena retrata, de maneira elusiva, o momento em que uma pessoa se apaixona por outra. Tem uma certa mágica, mas nem sempre é tão glamouroso.
Entender Duke Ellington não é só saber viver com paixão e estilo. Entender Duke Ellington trata-se de conectar-se ao outro, entender o parceiro, ter sensibilidade e empatia, da mesma forma que a música do mesmo causa esses efeitos e essas sensações. Entender Duke Ellington pode ser uma coisa universal, mas também pode ser muito particular de cada casal. Cada casal tem seu Duke Ellington. Cada casal tem alguma coisa que o conecta e que o aproxima.
Particularmente, para mim, entender Duke Ellington trata-se de desapego. Trata-se de inteligência, de paciência, de companheirismo, de resiliência, de humildade, de alegria e de conseguir enxergar mais do que apenas o seu próprio ponto de vista. Para mim, entender Duke Ellington também significa gostar de Duke Ellington, de fato, e saber apreciar sua música.
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
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