sexta-feira, 17 de julho de 2020

Sobre a beleza

"É melhor ser belo do que ser feio."

Ultimamente tenho pensado sobre a beleza. Independente do que consideramos belo ou feio como cultura e sociedade, se você pudesse escolher entre ser considerado belo ou feio, o que você escolheria?

Naturalmente, é melhor ser bonito do que feio. Mas por quê? O que significa ser belo e o que isso implica? Qual seria a relação disso com a objetificação de pessoas?

Bom, primeiramente, as regras pelas quais definimos o que é bonito e o que é feio é uma disputa política. Não no sentido mais comum, de congressos e parlamentos, mas num sentido mais amplo. Há várias pessoas que literalmente  se esforçam para serem consideradas bonitas (como atrizes, atores e modelos). E há pessoas que validam sua beleza (geralmente pessoas em relação de poder, como o responsáveis pelo casting de filmes e comerciais, e diretores). Essas pessoas, em conjunto, definem os padrões estéticos da sociedade.

Uma vez definidos esses padrões estéticos, outros buscarão se encaixar nesse mesmo padrão. Se na China, em algum período, foi definido que mulheres com pés pequenos eram atraentes, fez com que as mulheres (possivelmente coercitivamente) buscassem, até mesmo por técnicas torturantes, ter pés pequenos. Ou como as mulheres que utilizavam anéis ao redor do pescoço para ficar mais comprido.

Hoje em dia, há mulheres que se deixam objetificar em quase qualquer lugar da internet e do mundo. Mas o que justifica que essas mulheres, por vontade própria, postem fotos seminuas (ou nuas) que permitem a objetificação o próprio corpo?

Acho que, para procurar uma resposta, é interessante olhar para a dialética mestre-escravo de Hegel, presente na Fenomenologia do espírito, e fazer uma analogia. "A passagem descreve o desenvolvimento da autoconsciência como se fosse o resultado de um encontro entre dois seres distintos e também autoconscientes".

Uma pequena digressão:
O que não sou eu é o outro. O outro, que é diferente, que faz com que eu crie uma autoconsciência (Se o outro fosse igual a mim, só existiria o "eu"). Daí surge um embate, porque eu quero mais de mim mesmo no mundo, eu quero mais de mim mesmo inclusive no outro. Eu não gosto do que é diferente, porque o outro me diminui. A presença do outro faz com que haja menos de mim mesmo no mundo. Eu quero que o outro seja como eu. Mas, no momento em que o outro se submete e se torna como eu, a minha autoconsciência fracassa. E o outro, que se submete e se deixa dominar, também passa a ter poder sobre mim. O mestre, que não trabalha (e, muitas vezes, nem sabe realizar o trabalho), depende do escravo para lhe dar o sustento. A minha existência passa, então, a depender da existência do outro.

Logo, se eu projeto meus gostos e preferências estéticas sobre o outro (projetando o meu "eu" sobre ele) e ele corresponde a essa espectativa, ele não está apenas se submetendo, mas também obtendo poder sobre mim.

As mulheres que buscam a beleza por meio de posições objetificantes buscam, também, o poder sobre o olhar do outro que, muitas vezes, acaba se revertendo para outros tipos de poderes (simbólico, econômico, financeiro).

Outras questões surgem: se os padrões estéticos não fossem os atuais, quais seriam? E, caso fossem realmente diferentes, o que mudaria?

Bom, os padrões estéticos são definidos em uma disputa política de poder. Logo, posições de poder geralmente possuem prerrogativa e possibilidade de definir o que é belo culturamente e em uma sociedade. Se as posições de poder se alternassem e, por exemplo, mais mulheres as ocupassem, a opressão e objetificação do corpo feminino acabaria? Muito possivelmente diminuísse, mas não acabaria. Porque a beleza não só é definida pelos que tem poder. A própria beleza é poder. Logo, qualquer que fosse o padrão estético, as pessoas continuariam buscando-o, mesmo que fossem objetificadas no processo.

Não há como abolir padrões estéticos visto que o ser humano, por natureza, categoriza e separa as coisas (entre belo e feio, forte fraco, bom e mau, etc). E, como beleza é um valor puramente visual, muitas vezes desconectado de qualquer outro valor, a busca pela beleza continuaria objetificante. Mas, ainda assim, seria melhor ser belo do que ser feio.

Os "feios" sempre continuarão relegados à rejeição social. Contudo, claro, podemos, como sociedade, dar mais importância a outros valores que não simplesmente o capital estético das pessoas. Só me parece improvável porque assim como julgamos a estética das coisas (ambientes, decorações, roupas e até video-games. Hoje em dia tudo tem design envolvido), julgamos a estética das pessoas. Nós não conseguiríamos ter um olhar que julga a beleza dos objetos e do mundo que nos cercam, mas que é cego para a beleza das pessoas e não as julga (e nem as objetifica).