Há algumas semanas atrás, me peguei tendo uma saudade grande da minha mãe que gerou uma reflexão. A morte da minha mãe, pra mim, não fez muito sentido por alguns motivos. Primeiro, porque era uma morte que, ainda hoje, eu acho que poderia ter sido evitada. Segundo, porque eu acho que ela não queria ter morrido. E, terceiro, porque a vida dela fazia sentido pra mim.
A morte dela não fez sentido, mas a vida dela fazia. Isso me gerou alguns questionamentos.
Na filosofia, há uma frase famosa, enunciada como "memento mori", da qual uma tradução possível seria "lembre-se de que você vai morrer". E por que isso é importante?
Para quem é adepto dessa filosofia, lembrar-se da inevitabilidade da morte nos faria dar menos importância a coisas superficiais e passageiras, como o orgulho e a vaidade. Lembrar-se da morte nos faria dar mais valor às coisas verdadeiramente importantes.
Por exemplo:
"Briguei com as pessoas que eu gosto por conta de coisas não muito importantes. Não vou ser orgulhoso, vou pedir desculpas, pois pode ser que eu morra amanhã ou depois e não quero perder tempo de vida brigado por coisas pequenas."
Ou...
"Posso morrer amanhã ou depois, logo, vou fazer o meu melhor para deixar algo pra minha família que lhes possa ajudar ou dar um sustento."
Contudo, discordo desse pensamento. Não acho que a morte é que deve dar sentido à vida. Já há algum tempo, eu acho que a vida deve valer por ela mesma. A morte é, justamente, o que tira o valor da vida.
A morte é o fim último da vida, é o que acaba com a existência em um determinado sentido. Assim como eu acho que o valor da vida está na vida, acredito que o valor das coisas está no caminho e não nos fins. Os fins só servem como objetivos ou passagens intermediárias em um contexto maior de contiuidade.
Você normalmente só se preocupa em ir trabalhar e receber um salário pois acredita que vai continuar vivo mês que vem e que terá que pagar as contas e alimentação. A consciência dessa continuidade é que dá sentido à sua atitude de trabalhar por dinheiro.
Quase todas as metas que se colocam na vida são em favor do caminho em si ou da continuidade. Você normalmente só planeja em se formar na faculdade porque acredita que isso vai ser importante para sua vida depois ou pelo conhecimento adquirido em si. Não pelo próprio objetivo de se formar. E, mesmo que fosse pelo simples objetivo de se formar, a sua vida não acabaria ali. Sua vida não perderia sentido porque outros objetivos viriam e continuariam dando sentido à vida. A continuidade dá o sentido. Se, depois que se formasse, sua vida não tivesse mais sentido, não foi o objetivo de se formar que deu sentido à sua vida. Foi o objetivo de se formar que o tirou. Pois o fim tira o sentido da coisa e sua existência.
Se você tivesse a certeza que iria morrer daqui a um mês, não teria sentido entrar em uma faculdade agora, exceto se for algo que você goste de estudar, se for uma experiência que você queira ter ou tiver algo que queira aprender nesse último mês. Reitero, é o valor das coisas e da vida estão nelas mesmas.
Assim como só vale à pena construir patrimônio e deixar herança pela atividade em si ou para deixar como um legado importante. Só vale à pena escrever um livro pelo prazer ou aprendizado de escrever em si ou pra deixar para a posteridade, para a continuidade.
Diante do fim, diante da presença da morte, para as pessoas que não tem visão de continuidade, as coisas deixam de fazer sentido. Na proximidade da morte, aquilo que não faria sentido na vida "normal" pode passar a ser cogitado. Entram aqueles questionamentos do tipo "se você fosse morrer em um mês, o que faria? Assaltaria um banco? Andaria pelado na rua? Abandonaria o emprego e iria mergulhar com tubarões?". Na presença da morte, tudo é justificável e nada faz sentido.
Claro a sabedoria e o conhecimento que as coisas se acabam é importante. Mas não é isso que dá valor às coisas. Quando alguma coisa se vai, é a memória e o que fica dela que é importante.
Com base nessas reflexões, como devemos encarar a vida?
A vida deve ser encarada como se não fosse ter fim, com a consciência de que suas ações tem consequências. Se você morre, fica o que você deixou. As coisas continuam. Inclusive se você briga com quem você tem apreço. Isso tem consequências e continuidade, e isso importa. E, por isso, valeria à pena abrir mão da vaidade e do orgulho e não porque você vai morrer em algum momento. Porque, se pensamos que tudo, inclusive o universo, vai ter fim um dia, então qual seria o sentido das coisas? Logo, por mais que, racionalmente, saibamos que o fim existe, que vivamos como se não soubessemos, mas, repito, com a consciência de que as coisas tem consequências e de que as consequências importam.
PS: Escrevi este texto como forma de provocação. Se as coisas fossem realmente infinitas e não acabassem, elas também não fariam sentido. A solução? Abraçar o niilismo.